quarta-feira, 2 de agosto de 2017

A Comunidade Quilombola dos Luízes clama por justiça e nos faz recordar ...

A Comunidade Quilombola dos Luízes clama por justiça e nos faz recordar ...
Por frei Gilvander Luís Moreira[1]


Dia 31 de julho último (2017), a Comunidade quilombola dos Luízes, em Belo Horizonte, MG, foi violentada nos seus direitos constitucionais pela Polícia Militar de Minas Gerais e por pessoas/empresas que insistem em invadir seu território. Arbitrariamente quatro pessoas quilombolas foram presas e conduzidas à delegacia simplesmente porque defendiam seu território. Na delegacia, os quilombolas ouviram palavras e gestos racistas e preconceituosos. Após mais de um século de invasão do seu território, a comunidade quilombola dos Luízes teve mais uma área sua invadida, tendo um cadeado sido quebrado, inclusive.
O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação  (RTID) da Comunidade Quilombola dos Luízes, de Belo Horizonte, MG, foi publicado no Diário Oficial da União no dia 14/6/2012 e republicado dia 15/6/2012. A Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Federal (MPF), advogados populares, Movimentos Sociais, a CPT e uma grande Rede de Apoio, sob o protagonismo da Comunidade Quilombola dos Luízes, lutarão sempre para que se estanque as invasões do território dos Luízes e que as partes do seu território invadidos sejam resgatados. Os direitos quilombolas estão inscritos na Constituição de 1988. Artifícios legais infraconstitucionais não podem sustentar apoio jurídico para agressores que insistem em invadir o território quilombola dos Luízes, quilombo centenário que existe na capital mineira desde o século XIX - antes de a capital de Minas ser transferida para onde está atualmente, criando as condições materiais objetivas para que o território do quilombo fosse invadido e amputado gradativamente durante mais de um século.

Os Luízes nos fazem recordar ...
Com a invasão dos europeus portugueses, o Brasil colonial foi organizado como uma empresa comercial para a produção de commodities para a exportação. Daí a exploração do pau-brasil, a produção de açúcar e café até os dias de hoje com as monoculturas da soja, do eucalipto e minério, quase tudo para exportação. “O Brasil colonial foi organizado como uma empresa comercial resultante de uma aliança entre a burguesia mercantil, a Coroa e a nobreza” (VIOTTI DA COSTA, 1999: 173). Milhões de negros foram escravizados, mas muitos se rebelaram e formaram quilombos, como os liderados por Zumbi dos Palmares e Dandara, no final do século XVII.
A exploração também atingiu o povo negro, nossos irmãos de sangue, que alimentaram com suor e vida a ganância e a opulência da nobreza lusitana. Nesse período, a resistência dos quilombos alterou a correlação de forças que obrigou uma das mais tardias ações da colonialidade no mundo: a libertação dos escravos com a lei áurea de 1.888 e o aprisionamento da terra 38 anos antes, por meio da Lei de Terras de 1.850, no Brasil imperial.
Mais do que omisso ou conivente, o Estado brasileiro tem sido cúmplice, sustentador e fomentador da iníqua estrutura fundiária reinante no Brasil. Grande parte dos conflitos de terra em Minas acontece em terras devolutas. Além das demandas das famílias sem-terra, existem no estado de Minas Gerais cerca de 800 áreas de remanescentes de quilombos que estão em processo de auto-reconhecimento, reivindicando titulação e demarcação. Apenas entre 2004 e 2007 foram reconhecidas pela Fundação Palmares, em Minas Gerais, 81 comunidades quilombolas.[2] Os conflitos envolvendo comunidades quilombolas – do movimento quilombola, outro movimento socioterritorial - na luta pela terra estão crescendo. Na noite do dia 23 de março de 2017, o casal quilombola Jurandir e Rosa foram torturados na Comunidade Quilombola de Marobá dos Teixeira, no município de Almenara. Dia 28 de julho último, um fazendeiro, seguranças armados e policiais invadiram o território quilombola de Brejo dos Crioulos, no norte de Minas Gerais, e tentaram expulsar famílias quilombolas. O território da Comunidade Quilombola de Mangueiras, também em Belo Horizonte, teve seu território invadido e a comunidade está resistindo em um território de apenas alguns hectares. O território quilombola de Matição, em Jaboticatubas, MG, também já teve grande parte do seu território invadido e grilado.
As elites brasileiras sempre estiveram atentas para exterminar com castigos cruéis os focos de insurreição precavendo-se, assim, para que bons exemplos de resistência dos povos oprimidos não se disseminassem pelo país. Por exemplo, seguindo ordem do governador da capitania de Minas Gerais, José Antônio Freire de Andrade, a expedição chefiada pelo paulista capitão-mor, capitão do mato, Bartolomeu Bueno do Prado, destruiu, com requinte de crueldade, um grande número de quilombos nas regiões do Alto Paranaíba, Triângulo Mineiro e Sudoeste de Minas Gerais, entre eles, em 1756, o quilombo do Rio Grande. Nina Rodrigues se refere à destruição do quilombo do Rio Grande como “circunstância bárbara e repugnante” pelo fato de, além da mortandade perpetrada, ter “Bartolomeu Bueno trazido como troféu da vitória 3900 pares de orelhas tiradas aos negros destroçados e mortos” (RODRIGUES, 1988: 96).
As comunidades quilombolas estão espalhadas por quase todo o território mineiro, em mais de 600 já com auto-reconhecimento.  No Brasil, a Fundação Palmares contabiliza a certificação de 2821 comunidades como remanescentes de quilombo rural ou urbano.[3]
A luz dos Luízes precisa continuar brilhando. A sociedade brasileira precisa pagar a imensa dívida histórica que tem com o povo negro. Basta de racismo e discriminação. O povo negro exige respeito, não quer apenas compaixão.

Referências.

CEDEFES (Org.). Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI: história e resistência. Belo Horizonte: Autêntica/CEDEFES, 2008.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Camponeses, indígenas e quilombolas em luta no campo: a barbárie aumenta. In: Conflitos no Campo Brasil 2015. Goiânia: CPT Nacional, p. 28-42, 2015.
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1988.
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da monarquia à república: momentos decisivos. 6ª edição. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.





[1] Padre da Ordem os Carmelitas, bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor do CEBI, CEBs e SAB e integrante da coordenação da CPT/MG; www.gilvander.org.brwww.freigilvander.blogspot.com.brgilvanderlm@gmail.com – face: Gilvander Moreira III
[2] Cf. https://www.achetudoeregiao.com.br/mg/quilombolas.htm . Acesso dia 28/5/2016 às 12h13. Sobre história e resistência dos quilombolas em Minas Gerais, cf. CEDEFES (Org.). Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI: história e resistência. Belo Horizonte: Autêntica/CEDEFES, 2008.

[3] Informação de reportagem sobre a concessão de certificado para 14 comunidades quilombolas em seis municípios do Vale do Jequitinhonha, MG, dia 22/8/2016, disponível em http://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/comunidades-rurais-do-jequitinhonha-recebem-certificacao-quilombola , acesso em 02/11/2016 às 17h28.

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