terça-feira, 20 de dezembro de 2016

OCUPAÇÕES DA IZIDORA MARCHAM MAIS UMA VEZ EXIGINDO ENCONTRO COM PIMENTEL AINDA EM 2016!

OCUPAÇÕES DA IZIDORA MARCHAM MAIS UMA VEZ EXIGINDO ENCONTRO COM PIMENTEL AINDA EM 2016!

Hoje, terça-feira, dia 20 de dezembro de 2016, desde as 06:30h, as comunidades Esperança, Rosa Leão e Vitória, a Ocupação Izidora (localizada entre as cidades de Belo Horizonte e Santa Luzia/MG) e os movimentos sociais Brigadas Populares (BPs), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) estão marchando rumo à Cidade Administrativa, sede do Governo mineiro, em Belo Horizonte.
Na semana passada, a Advocacia Geral do Estado (AGE), ainda que sem receber intimação para tal, apresentou petição contra nosso recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Indo contra tudo o que estava sendo negociado na Mesa Permanente de Negociação, (Decreto Estadual número 301/2015) apresentou pedido pela manutenção da injusta decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG -, que, em 28 de setembro de 2016, determinou o despejo sem nenhuma alternativa às mais de 8 mil famílias da Izidora afrontando diversas leis, a Constituição da República e Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Apesar de serem essas as pessoas que constroem a cidade, cada dia mais, elas são constrangidas e expulsas dela. São aproximadamente 30 mil pessoas que já construíram mais de 5 mil casas de alvenaria ao longo desses quatro anos de luta e resistência, sempre ameaçadas por decisões de juízes que nunca se deram ao trabalho de conhecer a realidade que eles tão facilmente julgam.
Contra essa ação do Estado que desconsiderava todo o processo de negociação em curso foi feita a ocupação da entrada de um dos prédios da Cidade Administrativa. Em resposta foram assumidos os seguintes compromisso do Estado de Minas Gerais:
1) Entrega das atas das negociações realizadas;
2) da Advocacia Geral do Estado apresentar ao STJ as informações coerentes com a negociação em curso;
3) realização de reunião hoje, 20/12/2016, às 9 horas, na Cidade Administrativa, onde o Estado de Minas Gerais apresentaria uma resposta sobre nossa exigência do Governador Fernando Pimentel receber uma Comissão da Izidora e dos Movimentos Sociais que a acompanham ainda em 2016; e
4) apresentar a proposta de negociação elaborada pelo Governo de Minas Gerais após conversa com o futuro prefeito de Belo Horizonte, Sr. Alexandre Kalil, segundo fora apontado pela presidente da mesa Sra. Ligia Maria Alves com vista à regularização das ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória.
A marcha saiu da ocupação-comunidade Vitória, passou na Ocupação-comunidade Esperança e na ocupação-comunidade Rosa Leão e segue até à Cidade Administrativa. O povo da Izidora não aceitará que o Governador Fernando Pimentel não receba pessoalmente uma Comissão da Izidora, pois, em primeiro lugar, foi o povo que o elegeu, em segundo lugar, até mesmo um ex-governador tucano, Antônio Anastasia, já recebeu pessoalmente as ocupações da Izidora, e, em terceiro lugar, devido aos vários atropelos, rasteiras e engodos sofridos ao longo desses árduos anos de luta por parte de servidores de segundo e terceiro escalões do Governo de Minas Gerais. Estamos cansados de ser enganados e precisamos tratar com quem decide em última instância, quem determina a realização ou não de despejo e negociação. O Governador do Estado de Minas Gerais, Fernando Pimentel.
Se o governador Pimentel recebeu tão prontamente o alto comando da Polícia Militar de Minas Gerais ontem, dia 19/12/2016, Inclusive, para tratar dos interesses econômicos dos militares, com a mesma facilidade ele também deve receber o povo humilde e trabalhador das comunidades da Izidora que constroem essa cidade e que há anos clamam por um diálogo frente a frente!
Não é possível continuar vivendo com uma permanente insegurança. Para se ter uma ideia, o despejo da ocupação Vitória na cidade de Campo Florido/MG, gerou inúmeros moradores de rua, um deles, inclusive, que foi parar no cárcere após praticar furto de míseros 15 reais, morrendo na prisão (com forte suspeita de ter sido assassinado). A Izidora nasceu da resistência do povo trabalhador excluído da cidade e não aceitaremos que seu futuro seja assassinado.
E o povo da Izidora alerta que não aceitará negociação injusta, indigna e antiética! Essas famílias estão construindo, apesar do Estado e do poder econômico, uma vida digna e não aceitam ser confinadas. Sem nenhuma ajuda de empreiteiras, ao contrário dos partidos políticos vendidos e das ditas autoridades que nos desgovernam, roubam e violentam, o povo trabalhador que habita a Izidora, ao longo de quase 4 anos de altiva luta, construiu com esforços próprios e auxílio dos movimentos sociais, arquitetos, geólogos, professores, universitários e ampla rede de apoio, mais de 5.000 casas de alvenaria, o que não se compara a nenhuma política habitacional seja do Município de Belo Horizonte, do Estado de Minas Gerais ou mesmo da União.
No último domingo no ato de expurgo realizado em frente a prefeitura de BH comemoramos que em 2017, "Lacerda Sai e Izidora Fica!". Esperamos que o próximo governo municipal não desonre as suas promessas aos mais pobres para governar para empresários. O prefeito eleito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, em reunião com os movimentos e coordenações da Izidora fez duas vezes, uma antes das eleições e outra logo que eleito, o compromisso de resolução do conflito fundiário mediante a regularização fundiária e urbanização dos 3 grandes bairros populares Rosa Leão, Esperança e Vitória, sem a derrubada das casas. Portanto, para que honre a sua palavra não poderá compactuar com a construção de empreendimento da construtora milionária Direcional às custas do despejo de 8.000 famílias da Izidora.
Não aceitaremos que nossas casas sejam derrubadas! Em meio ao catastrófico momento que o Brasil vive, quebrar tudo o que foi construído e jogar milhares de famílias na rua será a prática de um grave golpe contra o povo e um ato de lesa humanidade sem precedentes! Acreditamos em construir uma solução pacífica e justa que garanta o direito à moradia digna dessas famílias. Direitos não se negociam.
Assinam essa nota:
Coordenação da Ocupação-comunidade Esperança: Rose (31 98233-3944) e Edna (31 99878-8719);
Coordenação da Ocupação-comunidade Rosa Leão: Charlene (31 98534-4911) e Maria (31 98628-2876);
Coordenação da Ocupação-comunidade Vitória: Pastor Alberto (31 98683-9264) e Lu (31 99787-9859);
Brigadas Populares: Isabella (31 99383-2733) e Luiz (31 99227-1606);
Comissão Pastoral da Terra (CPT): Frei Gilvander (31 99473-9000); e
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB): Leonardo (31 99133-0983) e Poliana (31 99323-4483).
Belo Horizonte, MG, Brasil, 20 de Dezembro de 2016.
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domingo, 18 de dezembro de 2016

Ocupações da Izidora indo para Ato Fora Lacerda e Fica Izidora, em Belo ...

Dona Maria e dom Joaquim Mol em celebração do Natal de 2011 na Dandara

Dona Maria da Penha Lemos, a “dona Maria da Dandara”, presente em nós na luta, sempre!


Faleceu e ressuscitou, ontem, dia 17/12/2016, a dona Maria da Penha Lemos, 71 anos, a “dona Maria da Dandara”. O corpo está sendo velado no Centro Comunitario da Dandara, Centro Comunitário Prof. Fábio Alves. Agora às 09:30h, daqui ha pouco, dia 18/12/2016, o corpo da dona Maria será levado para sepultamento em Goiabal, no interior de MG. Dona Maria construiu a 1a casa da Dandara, uma grande lutadora. Ela ajudou a enfrentar os policiais que impediam a entrada de material de construção no início da Dandara. Dona Maria, sempre acolhedora, construiu sua casa na Dandara, com horta e jardim no quintal. Dona Maria foi umas das que recebeu o Plínio de Arruda Sampaio, ao visitar a Dandara. Dona Maria estava ao lado do bispo Dom Joaquim Mol na celebração de Natal de 2011, conforme mostra o vídeo, abaixo. Perdemos uma grande lutadora: dona Maria da Dandara. Dona Maria da Dandara, presente em nós na luta sempre. Obrigado, dona Maria, pelo legado de luta que você nos deixou. Dona Maria da Dandara sempre nos animará na luta pelo bem comum e por Direitos Sociais. Abs. frei Gilvander Moreira. 


quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

OCUPAÇÕES DA IZIDORA PROTESTANDO NA CIDADE ADMINISTRATIVA EXIGINDO QUE O GOVERNADOR PIMENTEL RECEBA SUAS LIDERANÇAS! LUTA CONTRA DESPEJOS!

OCUPAÇÕES DA IZIDORA PROTESTANDO NA CIDADE ADMINISTRATIVA EXIGINDO QUE O GOVERNADOR PIMENTEL RECEBA SUAS LIDERANÇAS! LUTA CONTRA DESPEJOS!

Belo Horizonte, MG, 14 de dezembro de 2016


Hoje, quarta-feira, dia 14 de dezembro de 2016, as ocupações da Izidora (Esperança, Rosa Leão e Vitória), de Belo Horizonte e Santa Luzia, MG, e os movimentos sociais Populares Brigadas Populares (BPs), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) estão MANIFESTANDO AGORA NA PARTE DA TARDE na Cidade Administrativa, sede do governo de MG, para exigir que o Governador Pimentel, o Advogado Geral do Estado (Dr. Onofre) e Lígia, coordenadora da Mesa de Negociação, recebam uma Comissão de representantes das ocupações da Izidora e dos movimentos sociais. Passado quase 1 ano de insistência por parte das coordenações das ocupações e movimentos sociais, o Estado de Minas Gerais enfim retomou a Mesa de “Negociação” para tratar do conflito fundiário da Izidora – um dos sete maiores do mundo - (início de outubro de 2016, após o TJMG, dia 28/9/2016, determinar por 18 votos a 1 que o Estado pode fazer de forma truculenta e sem negociação as reintegrações de “posse” de Rosa Leão, Esperança e Vitória, ou seja, os despejos das comunidades da Izidora: cerca de 8.000 famílias (30.000 pessoas) com mais de 5.000 casas de alvenaria construídas em quase 4 anos de luta. Trata-se de três bairros irmãos em franco processo de consolidação. Ao visitar as comunidades da Izidora, o ex-presidente Lula disse e repetiu nas três comunidades: “Aqui não são mais ocupações, mas bairros. Não tem condições de pensar em derrubar essas casas aqui para fazer projeto Minha Casa Minha Vida. Precisa melhorar o que já está construído.” Lula assumiu o compromisso de falar com o governador Pimentel para receber uma Comissão das comunidades da Izidora em reunião.
Negociação entre aspas, pois o que estamos vendo de fato, não é negociação, e sim enrolação. De fato, recentemente a empresa Granja Werneck S/A e a Construtora Direcional apresentaram em Brasília petições no Superior Tribunal de Justiça (STJ), dizendo várias leviandades, calúnias e mentiras para tentar impedir que seja suspenso o despejo pelo STJ, assim como ocorreu em 25 de setembro de 2015. Já no último sábado, dia 09/12/2016, descobrimos que a Advocacia Geral do Estado (AGE), órgão de representação jurídica do Estado de Minas Gerais, apresentou petição ao STJ defendendo que o despejo seja realizado imediatamente. Isso é muito grave, é apostar em massacre e caos e não em uma solução justa, negociada e pacífica.
ISSO É MUITO GRAVE, POIS ACONTECEU CONTRARIAMENTE AO COMPROMISSO ASSUMIDO PELA COORDENADORA DA MESA, Sra. LIGIA MARIA ALVES PEREIRA, EM REUNIÃO DE NEGOCIAÇÃO DIA 07/12/2016, DE QUE A AGE NÃO SE MANIFESTARIA NO PROCESSO DO STJ CONTRARIAMENTE ÀS OCUPAÇÕES IZIDORA, MAS CONFORME O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO EM CURSO.
De forma resumida, dentre outras leviandades, em sua petição, a AGE diz o seguinte:
1)     Não há qualquer prova de que o Estado e a Polícia não cumprirão a lei e os direitos humanos no momento da reintegração de posse das Ocupações da Izidora e que, portanto, o mandado de segurança a favor da Izidora é baseado em meras suposições sem sentido; (Não é verdade isso, pois as Ocupações Maria Vitória, Maria Guerreira, Maria Bonita e Ocupação Temer Jamais foram despejadas pela PM e jogadas no olho da rua, pisando na dignidade humana, e as repressões da PM de MG às manifestações populares são provas cabais de que a PM de MG não está atuando em conformidade com os tratados internacionais.);
2)    Dizem que não houve qualquer ato concreto da Polícia Militar que pudesse ser considerado afrontoso a tratados internacionais, à legislação vigente ou à dignidade da pessoa humana; (Não é verdade essa posição, pois a atuação da PM de MG tem sido extremamente dura e cruel com as manifestações populares, conforme está registrado em inúmeros vídeos na internet.); e
3)    Foi negociada a realocação de diversas famílias em apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida que estão previstos para serem construídos na área a ser ocupada. (Essa proposta foi feita há 1,5 ano, mas o Estado não aceitou todos os pontos do processo de negociação que estava à baila. Atualmente as comunidades estão enraizadas em franco processo de consolidação. Não há como derrubar 5.000 casas dignas em bairros consolidados para construir 9 mil apartamentos de apenas 40 metros quadrados em prédios de 9 andares sem elevadores. Isso não é moradia digna e nem adequada. Inclusive o Estatuto da Cidade proíbe construir moradia popular destruindo outras moradias existentes na área.)
Isso, porém, não é novidade para nós, já que, em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais dia 27/9/2016, o antigo coordenador da Mesa de “Negociação” do Estado, Sr. Alessandro, se comprometeu que a AGE não defenderia a realização do despejo na sessão de julgamento do TJMG, O QUE NÃO FOI CUMPRIDO. Estamos vendo que na realidade, o que o governador Pimentel está fazendo é, em aliança espúria com a empresa Granja Werneck S/A e a mega construtora Direcional, fingir que está negociando e tentar via judicial e extrajudicialmente construir um alicerce para possibilitar o despejo das 8.000 famílias das três comunidades da Izidora, o que inclui o uso de tática para desmobilizar as comunidades e sua rede de apoiadoras/es através da visita de representantes do Estado, Lígia e o ex-presidente Lula inclusive (com falas de representantes do Estado “tranquilizando” os moradores).
Assim, exigimos que o governador Pimentel, que já está concluindo metade de seu governo SEM TER RECEBIDO NENHUMA OCUPAÇÃO URBANA, receba uma COMISSÃO de lideranças das comunidades da Izidora + BPs + CPT + MLB, e que também DETERMINE À AGE A RETIRADA DA PETIÇÃO QUE PEDE A NÃO CONCESSÃO DA SUSPENSÃO DO DESPEJO.
Chega de Golpes contra a Izidora. Não aceitaremos despejo e muito menos ser enganados dessa forma. Lutaremos até o fim, pois enquanto morar dignamente for um privilégio, ocupar é um direito e um dever!

Assinam essa nota:
Ocupação Esperança
Ocupação Rosa Leão
Ocupação Vitória
Brigadas Populares – BPs
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).

 Contatos para maiores informações: Edna (31 981023297) e Rose (31 98941-2083); Charlene (31 98534-4911) e Gleice (31 98601-4525); Pastor Alberto (31 98683-9264) e Lu (31 99787-9859); Isabella (31 99383-2733) e Luiz (31 99227-1606); Frei Gilvander (31 99473-9000); Leonardo (31 99133-0983) e Thales (31 99486-6845).


domingo, 11 de dezembro de 2016

Povo indígena Aranã ressurgido: que beleza! Por frei Gilvander

Povo indígena Aranã ressurgido: que beleza!
Por frei Gilvander Luís Moreira


Li com alegria os manuscritos Educação, identidade e cidadania: uma leitura da ação política do povo ressurgido Aranã, de Vera Lúcia Soares de Araújo, freira, assessora do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – www.cebi.org.br ) e educadora. Texto fruto de dissertação de mestrado de Vera Lúcia em Educação na UNOESTE, em 2011. Texto que se tornou o livro ARAÚJO, Vera Lúcia Soares. A Sabedoria do Povo Aranã. Curitiba: Editora Appris, 2016.
Logo no início da leitura, recordei-me do livro O Renascer do Povo Tapirapé (1952-1954): diário das Irmãzinhas de Jesus, que trata do ressurgimento do povo Tapirapé, na Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Recordei-me também do padre João Bosco Burnier que, após o soldado Ezy, na porta de uma cadeia em Ribeirão Cascalheira, MT, dar um soco fortíssimo no rosto dele e descarregar também no seu rosto um golpe de revólver e, num segundo gesto fulminante, o tiro fatal, no crânio, agonizando em um automóvel pelas estradas esburacadas do Xingu, antes de morrer em Goiânia no dia 12 de outubro de 1976, padre João Bosco lamentou com saudade comovedora ao bispo Dom Pedro Casaldáliga: “Sinto não ter tomado nota do que os índios (Tapirapé) falaram...” Ainda bem que as Irmãzinhas de Jesus, que convivem com os povos Tapirapés, desde 1952, em seus diários registraram muita coisa da vida do povo Tapirapé, parte publicado no livro O Renascer do Povo Tapirapé. E que beleza humanizadora que Vera Lúcia Soares de Araújo pesquisou e escreveu sobre o ressurgimento/emergência do Povo Indígena Aranã, em Minas Gerais.
No Brasil, ao longo de 516 anos, sob o signo do capital, os detentores dos poderes político e econômico têm feito uma das maiores sextas-feiras da Paixão ao massacrarem e dizimarem milhões de parentes nossos: os povos indígenas autóctones, os primeiros e legítimos herdeiros da terra Brasil, mas domingos de ressurreição estão sendo gestados com o ressurgimento/emergência de muitos povos indígenas. Em 1980 foram catalogados 18 povos indígenas ressurgidos. Os mais de cem povos indígenas que habitavam o estado de Minas Gerais hoje estão resumidos a apenas onze povos - Xacriabá, Aranã, Maxacali, Xucuru-cariri, Pataxó Hahahae, Pury, Pancararu, Krenak, Mokurin, Araxá e Kaxixó – na luta pelas suas terras para que sejam resgatadas e demarcadas de forma integral.
Escrevendo a partir do Povo Indígena Aranã, com resgate histórico e pedagógico do caminho trilhado pelo Povo indígena Aranã na sua luta por reconhecimento e resgate de seus direitos, Vera Lúcia apresenta, em linguagem simples e clara, o processo de luta por cidadania do Povo Aranã. Vera se ancora em vários documentos que sustentam a gradativa conquista de cidadania do Povo Aranã, tal como uma carta enviada a um representante do Estado, na qual o Povo Aranã revela cabeça erguida na defesa de seus direitos: “Como é do vosso conhecimento, o Povo Aranã, originário dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, está reivindicando do Estado o seu reconhecimento étnico.”
Em 2002, por ter sido extorquido de suas terras e ser sem-terra o Povo Aranã, o Conselho Indígena Aranã exigiu do Instituto de Terras do Governo de Minas Gerais a vistoria da fazenda Estacado por ser essa presumivelmente terra devoluta, e, assim, exigiu a liberação daquela fazenda para o Povo Aranã restabelecer sua aldeia. O resgate da terra do Povo Aranã continua um desafio a ser conquistado.
Enche-nos de esperança ao lermos no texto passagens que revelam a sabedoria, a coragem e a altivez do Povo Aranã, tal como: “O Povo Aranã luta para provar que está vivo e reaver suas terras que eram suas no passado. Luta bravamente para resgatar sua história, sua cultura, seus valores e resgatar a terra que lhe foi extorquida pelos colonizadores.”
O texto apresenta a educação política desenvolvida pelo Povo Aranã e, ao fazer esse resgate, pode ser fonte de inspiração para o ressurgimento de outros povos e culturas renegadas. Manoel Índio de Souza e seu filho Pedro Sangê, guardiães da memória dos antepassados, cultivadores da mística e da cultura aos atuais descendentes. Eis um exemplo eloquente da importância vital de se cultivar a memória.
Vera Lúcia nos indica o caminho das pedras - o segredo da mina – ao mostrar o caminho trilhado para o ressurgimento do Povo Aranã, caminho que passou pela convivência com o Movimento Indígena estadual e nacional, pesquisas históricas e antropológicas, muitos encontros de formação, reuniões semanais, assembleias periódicas, semanas indígenas anuais, visitas a outros parentes indígenas para troca de experiência e (re)conhecimento mútuo, participação em audiências, reivindicações a representantes do Estado etc. Que beleza revolucionária constatar no texto que o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e o CEDEFES (Centro de Defesa Eloy Ferreira) foram imprescindíveis no ressurgimento do Povo Aranã, ao atiçar e acompanhar o processo de luta em busca de cidadania! A leitura dos manuscritos renovou em mim a esperança na luta em prol da construção de uma sociedade justa e solidária, que passa necessariamente pelo resgate de todas as culturas indígenas e demarcação de suas terras. O texto nos ajuda a respeitar e admirar a beleza que são as místicas e as culturas indígenas. Boa leitura do livro A Sabedoria do Povo Aranã.

Belo Horizonte, MG, 05/12/2015.

Gilvander Luís Moreira, frei carmelita.


Face: Gilvander Moreira III

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Deputado padre João em defesa de Ocupações Urbanas em Minas Gerais.

Deputado padre João em defesa de Ocupações Urbanas em Minas Gerais.
Mensagem recebida por frei Gilvander Moreira, da CPT.


“Informo das providências que foram pedidas por escrito pelo Deputado Padre João, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, em Brasília (CDHM), na Audiência Pública que houve dia 19 de outubro de 2016 aqui em Brasília na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, com vídeos disponibilizados no link, a seguir
O deputado federal padre João enviou os seguintes documentos:
Ofício nº 415/2016-P, para Governador do Estado, de 14/11/2016, com as notas taquigráficas da audiência. No documento o deputado  pede providências e informações sobre quadro das ocupações no estado; pede que soluções sejam objeto de políticas públicas dialogadas.
Ofício n° 417/2016-P, para o Ministro das Cidades, de 14/11/2016, com as notas taquigráficas da audiência. No documento o deputado pede que soluções sejam objeto de políticas públicas dialogadas.
 Ofício n° 429/2016-P, para o Procurador-Geral de Justiça MG, de 14/11/2016, , com as notas taquigráficas da audiência. No documento o deputado pede providências e informações sobre quadro das ocupações no estado; pede que soluções sejam objeto de políticas públicas dialogadas.
Of. 425/2016, para o Prefeito de Contagem, de 14/11/2016, com as notas taquigráficas da audiência. No documento o deputado pede providências e informações sobre quadro das ocupações, especialmente William Rosa; pede que soluções sejam objeto de políticas públicas dialogadas.
Of. 426/2016, para o Prefeito de Ibirité, de 14/11/2016, com as notas taquigráficas da audiência. No documento o deputado que pede providências e informações sobre quadro das ocupações, especialmente Barreirinho; pede que soluções sejam objeto de políticas públicas dialogadas.
Of. 420/2016, para o Prefeito de Betim, de 14/11/2016, com as notas taquigráficas da audiência. No documento o deputado que pede providências e informações sobre quadro das ocupações, especialmente 1° de Maio e Capelinha; pede que soluções sejam objeto de políticas públicas dialogadas.
Antes da audiência o Deputado havia enviado o Ofício nº 252/2016-P, para SDH/MG, em 07/07/2016, que pede providência sobre violência policial na Ocupação 1º de Maio em Betim, e o Ofício nº 236/2016-P, para PGJ, em 07/07/2016, que pede providência sobre violência policial na Ocupação 1º de Maio em Betim.
Durante a audiência foi enviado o Ofício nº 412/2016-P, para Secretário de Defesa Social de MG, em 19/10/2016, que pondera sobre despejo iminente em Campo Florido, ocupação Vitória.
Quanto à prefeitura de Belo Horizonte, pelo documento GP.EXTERN-0724/OF, de Délio Malheiros, prefeito em exercício, a prefeitura externa a posição de que lhe interessa o cumprimento da reintegração de posse de Izidora. Sendo assim, o Deputado Padre João pediu para registrar que ele e que a CDHM continua à disposição dos moradores para mediações que evitem o despejo.
Por fim, caso os advogados mandem as informações a respeito da realização ou não da audiência prevista no artigo 565 do (Novo) Código de Processo Civil, iremos nos manifestar perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Cordialmente,
Marina Basso Lacerda,
Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Câmara dos Deputados Federais,
Brasília, 08 de dezembro de 2016.”

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

VISITA DO EX-PRESIDENTE LULA NA IZIDORA: release e informe sobre a visita de Lula às Ocupações da Izidora, dia 29/11/2016, terça-feira.

VISITA DO EX-PRESIDENTE LULA NA IZIDORA: release e informe sobre a visita de Lula às Ocupações da Izidora, dia 29/11/2016, terça-feira.

Amanhã pela manhã, terça-feira, dia 29/11/2016, receberemos nas ocupações da Izidora, em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG, a visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Será feita às 09:00h uma reunião do Lula com movimentos sociais (Brigadas Populares, CPT e MLB) e coordenações das três Ocupações da Izidora, na comunidade Rosa Leão. Em seguida, Lula fará visita a uma casa com algumas famílias na Ocupação-comunidade Esperança e participará de um Ato Público na Praça da Ocupação-comunidade Vitória, na Izidora, às 11:00h.
Lembramos que Lula é o pai do programa Minha Casa, Minha Vida que construiu mais de 1,5 milhões de moradias em todo o Brasil. Em Belo Horizonte, a gestão do prefeito Márcio Lacerda usou o projeto Minha Casa Minha Vida (MCMV) para pressionar pela realização dos despejos das três comunidades da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória), que já são três bairros irmãos em franco processo de consolidação, e ameaçar as 8.000 famílias nos últimos 3,5 anos. A visita de Lula é bem vinda na medida em que ele se comprometa a pressionar o Governador Fernando Pimentel para não realizar os despejos das 3 ocupações. Lembrando que no último dia 28/09/2016, os despejos foram autorizados injustamente pelo TJMG. As 8.000 famílias das Ocupações-comunidades da Izidora não aceitam despejo e nem a destruição das casas construídas nas Ocupações Vitória e Esperança. Estamos sempre abertos a negociação, mas que passe pelo reconhecimento da legitimidade da lutas das ocupações da Izidora. Despejo forçado causará um grande massacre, caos etc.
Assinam esse informe:
Coordenações das três ocupações-comunidades da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória);
Brigadas Populares, MLB e CPT.
Contatos para maiores informações:
Telefones para contato:
Com Poliana (cel. 31 99323 4483), ou Leonardo (cel.: 31 99133 0983), com Isabela, cel. 31 99383 2733; ou com Charlene (cel.: 31 985755745); ou com Edna (cel.: 31 9946 2317); ou com Elielma (cel.: 31 9343 9696), ou Eliene, cel. (31 98636 5712) ou frei Gilvander, cel. 31 99473 9000.
Maiores informações também nos blogs das Ocupações, abaixo:


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

OCUPAÇÕES DA IZIDORA NO III ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES COM O PAPA FRANCISCO, EM ROMA.

OCUPAÇÕES DA IZIDORA NO III ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES COM O PAPA FRANCISCO, EM ROMA.
Por Makota Celinha Kidevolu Gonçalves, coordenadora Nacional do CENARAB/CONEN.


A Coordenação Nacional das Entidades Negras – CONEN -, entidade a qual o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileiro – CENARAB - é filiado, indicou meu nome para representar esse campo no III Encontro Mundial dos Movimentos Populares que aconteceu em Roma entre os dias 02 e 06 de Novembro de 2016. Fui na condição de Mulher Negra de Matriz Africana. Antes de ir busquei me interar de assuntos/temas que nos é muito caro em nosso país, na conjuntura atual. Estive nas Ocupações da Izidora (comunidades Rosa Leão, Esperança e Vitória), 7º maior conflito urbano no mundo, ocupações que se encontram ameaçadas de desocupação, já que a Justiça de Minas autorizou a reintegração de posse da mesma dia 28 de setembro de 2016. As 30 mil pessoas que residem nas Ocupações da Izidora são compostas em sua maioria por mulheres e homens negros, vítimas da ausência de políticas públicas para moradia, trabalho, saúde e educação. Reflexo da história de nosso país no tocante a população negra. Ali, nas ocupações da Izidora recebi a honra de ser a porta voz dessas mulheres e homens, que fazem de sua trajetória de resistência um exemplo a ser seguido. Ouvi depoimentos, vi sorrisos ainda que temerosos do futuro, ah!! O futuro. Vi crianças, e elas são muitas, vi as suas casas simples, construídas de alvenaria, que já não lembram o período da lona preta. Ouvi muitas histórias de como chegaram os primeiros fios elétricos, o material de construção. As dificuldades para abrir as ruas, enfim ouvi tantos casos e histórias, que me remeti a minha própria história e à de milhões de negras e negros, na busca por moradia digna, por cidadania. Que assumi ali, o honroso compromisso de defender as Ocupações da Izidora e seus três bairros: Rosa Leão, Esperança e Vitória. E mais encantada ainda fiquei, com a história de Izidora, a negra forra que lavava roupa no ribeirão da região e que conquistou lá três hectares de terra. A nossa história de resistência, de fato se compõe em pedaços, tal qual uma colcha de retalhos tão comuns em nosso meio, pedaços de panos aleatórios, com sua autonomia de cor, de textura, de tecido, mas que quando juntados na costura, compõem a coisa mais linda de se ver, que aquece nossos corpos cansados nas noites frias e nos garantem a segurança e o amor de mãos criativas e carinhosas.
A Izidora e sua gente negra entraram e entranharam em meu ser. Não consigo entender como um grupo de “autoridades”, que compõe o que se chama de justiça, pode simplesmente decidir que a terra, o direito à moradia, o trabalho, a saúde e a educação - princípios básicos da cidadania e da dignidade -, devem ser regidos e definidos, por quem nunca desses precisou conquistar. Sim, nossos juízes, desembargadores em sua maioria já nasceram nos berços esplêndidos de quem colonizou nosso país. São herdeiros diretos de uma elite, que há séculos está aí a viver de privilégios históricos. E a esses cabem o poder de decidir se estas 30 mil pessoas podem ou não continuarem em suas casas construídas a partir de muito sofrimento, investimento, empréstimos e solidariedade. Confesso que não entendo, como a terra que estava ali, sem uso e nem fuso, pode de uma hora pra outra, ser decretada como propriedade particular de um dono, uma terra que abriga 30 mil pessoas e seus sonhos mais íntimos, seus desejos, esperanças. Pessoas que estão ali, há três anos e meio, construindo um projeto de moradia popular coletiva.
Aceitei a tarefa de levar comigo o grito contido no peito dos injustiçados, dos homens e mulheres que lutam e resistem bravamente pela cidadania e dignidade e o sagrado direito a moradia digna. Todas e todos sabem que estaria ali, numa tarefa delegada pela CONEN, que não sou católica, mas que aposto no diálogo, na solidariedade e na justiça divina.  Levei comigo os sonhos de uma gente brava, lutadora e me senti honrada com a tarefa. Sabia e informei a todos que estava indo para um Encontro onde as dificuldades são inúmeras, muitas cabeças, muitas propostas e sonhos diversos, mas que faria o possível para levar o pedido de que todos os bons juntos, não devem se omitir, até porque em situações de extrema injustiça, a omissão nos leva para o lado do opressor. Acho que conseguimos cumprir a tarefa. Defendemos o direito a moradia, a terra e ao trabalho como bênçãos divinas, que não podem nem deve servir ao capital em detrimento da vida. A solidariedade da delegação brasileira foi fundamental para que no documento final tivéssemos pontuado a questão Izidora e o direito de na terra habitar os que nela vivem.
Foi distribuído o texto produzido para o momento, nas versões em inglês e espanhol. E entreguei aos responsáveis pelos documentos e cartas a serem entregues ao Papa, um DVD e o texto, além de uma carta da Rose de Freitas, moradora da comunidade Esperança, na Izidora. Fui a representante do Brasil, no Encontro final com Papa Francisco, mas fomos avisados que não podíamos entregar nada pessoalmente ao mesmo.
Sou uma Makota, uma mulher de muita fé e acredito em um ditado africano que nos diz que “se sozinho, se vai rápido, juntos podemos ir longe.” Por isso, acredito que a mobilização internacional, em torno do RESISTE IZIDORA, é fundamental para assegurar a estabilidade da ocupação, a garantia do direito sagrado a terra, a moradia e ao trabalho. Não podemos permitir que o sonho da moradia, da dignidade e cidadania, manche de sangue nossa Belo Horizonte. As Ocupações-comunidades da Izidora são compostas em sua grande maioria por trabalhadoras e trabalhadores que devem ter seus direitos cidadãos assegurados.
A solidariedade, a unidade, a compreensão do outro enquanto sujeito de sua própria história são fundamentais nos momentos em que a arbitrariedade teima em nos roubar a dignidade, a soberania e nossos direitos.
#RESISTE IZIDORA#
Belo Horizonte, MG, Brasil, 22 de novembro de 2016.



segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Papa Francisco, um homem de muita coragem! por João Pedro Stedile.

Papa Francisco, um homem de muita coragem!
Por João Pedro Stedile, da coordenação do MST e da Via Campesina.
Jornal Brasil de fato, 14 de novembro de 2016.

Estive recentemente no III Encontro mundial de movimentos populares em diálogo com o Papa Francisco, realizado no Vaticano de 2 a 5 de novembro de 2016. Participaram mais de 200 delegados de 60 países, representando movimentos inseridos nas lutas sociais de três áreas: Trabalho, terra e Teto. Do Brasil estávamos em oito delegados  escolhidos pelos movimentos dessas áreas.
O encontro se insere num processo permanente de debate que iniciamos em  2013, do qual resultou o  primeiro encontro no Vaticano em outubro de 2014, depois  um segundo mais massivo e latinoamericano, quando  reunimos  mais de 5 mil militantes populares em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia.  E agora o  terceiro encontro,  de novo no Vaticano.
Esse processo de debates e diálogos entre o Papa Francisco e os movimentos populares, partiu de uma vontade política do Papa, de dialogar e dar protagonismo aos movimentos populares em todo mundo,  como estimulo  à organização dos trabalhadores e dos mais pobres, como esperança e necessidade  para as mudanças necessárias  no sistema capitalista.
Por isso, os delegados são escolhidos entre os dirigentes de movimentos populares, de todos os continentes, com a maior pluralidade possível e existente de: etnias, religiões, idade, culturas e com equidade de gênero. Ele pediu que se evitasse levar agentes de pastorais da igreja católica, pois teriam outros espaços. Mas sempre participam também desse processo de dialogo, representantes do Vaticano, em especial da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz, e alguns bispos e cardeais, que tenham vínculos reais com os movimentos populares em suas regiões.
No primeiro encontro, a base do dialogo foi o debate sobre a realidade e a causa dos problemas que vivem os trabalhadores nas três esferas da luta social. Foi apresentado um amplo diagnóstico e   reflexões sobre as soluções necessárias.  Usando sempre o método ver-julgar-agir. O Papa Francisco construiu um documento, que na essência se resumiu na defesa de um programa de que não deveríamos ter mais: “Nenhum camponês sem terra; Nenhum trabalhador sem direitos e nenhuma família sem moradia digna!”
Entre o primeiro e o segundo encontro seguiu-se um diálogo em torno dos problemas ambientais, dos agrotóxicos, das sementes transgênicas, em que o Papa consultou muitos especialistas, teólogos, bispos e movimentos que atuam nessa área.   E o resultado foi uma esplêndida  Encíclica, “Louvado seja!”  aonde  o Papa sistematiza reflexões, analisa as causas dos problemas ambientais e propõem soluções.    O Texto é a mais profunda e rica contribuição teórica e programática sobre o tema  produzida  em todos os tempos.    Uma contribuição que nem mesmo a tradição teórica de esquerda havia produzido.
Depois no segundo encontro na Bolívia, com presença marcante de  afro-descendentes, povos indígenas e povos com conflitos em seus territórios, como o povo Curdo, avançou-se para o direito ao território.    O Papa inseriu em suas reflexões o conceito de que todo o povo tem o direito a soberania popular sobre o seu território. E avançou-se também na concepção de que os bens da natureza que existem nesses territórios devem ser aproveitados em  benefício de todo povo, ou seja trata-se de um bem comum e não apenas um recurso a ser transformado em mercadoria e  renda extraordinária, como querem as empresas capitalistas que exploram  os bens da natureza, como os minérios, petróleo, água e biodiversidade.
Agora, no terceiro encontro estava na pauta dos debates, novos temas relacionados com os graves dilemas  que  a  sociedade moderna está enfrentando em todo mundo.  O primeiro tema foi a questão do estado e da democracia.   Tivemos aqui a participação também do ex- Presidente Pepe Mujica, do Uruguai, e de outros dirigentes políticos  progressistas que enviaram reflexões. Há uma crítica generalizada em todo mundo, que a forma de funcionar do estado burguês não representa mais as bases republicanas dos interesses da maioria. Porque a democracia representativa, formal, burguesa, não consegue mais expressar apenas pelo voto, o direito e a vontade da maioria da população.  O capital sequestrou a democracia pela forma de organizar as eleições.
E sobre esse tema o Papa reagiu e foi contundente que assombrou a todos, quando definiu de que na realidade existe um estado mais que excludente, um estado terrorista, que usa do dinheiro e do medo, para manipular a vontade das maiorias.  O dinheiro expresssa a força do capital que sobrepassa as instituições democráticas, e o medo, imposto à população pela manipulação midiática  permanente.
Entre todos participantes ficou a certeza de que precisamos aprofundar o debate em nossos países, para construir novas formas de participação política do povo, que de fato, garanta o direito do povo participar do poder político em todos os espaços da vida social. E ninguém tem uma receita, uma fórmula, depende da construção real na luta de classes de cada pais. A realidade é que esses processos eleitorais atuais não são democráticos e nem permitem a realização da vontade do povo.
Outro tema debatido, que representou avanços em relação aos encontros anteriores, foi o tema dos migrantes econômicos e dos refugiados políticos. A Europa vive uma verdadeira tragédia com os refugiados do Oriente médio e da África.   Milhões, repito milhões de pessoas estão migrando todos os dias, de todas as formas, de barco, caminhando quilômetros e quilômetros para fugir da morte  rumo a Europa, e lá encontram mais exclusão e xenofobia, sendo que apenas estão lá, porque as empresas europeias são as principais fornecedoras de armas para a Arábia Saudita  e governos repressores da região.
Nesse sentido a reflexão dos movimentos seguiu na linha do direito a um território e da luta contra a xenofobia. Do direito a autodeterminação dos povos e contra as guerras. As guerras não resolvem nenhum conflito social e apenas criam mais problemas sociais, além de ceifar a vida de milhares de pessoas, em geral os mais pobres e trabalhadores.  Todos os seres humanos são iguais, na sua natureza e nos seus direitos.   Aqui emergiu a ideia de que devemos incorporar em todos nossos programas a proposta da  igualdade.  A igualdade de oportunidades, de direitos e deveres, é a unica base de uma sociedade realmente democrática.
E nesse tema o Papa Francisco revelou toda sua coragem, ao denunciar de que quando um banco vai a falência, logo surgem bilhões de euros para salvar seus acionistas. Porém quando um povo está em dificuldade e migra, nunca há recursos públicos para ajudá-los e encontra-se todo tipo de desculpas possíveis. O Papa denunciou o sistema capitalista como autor dessa tragédia humana, contemporânea que estamos vivendo, de exclusão, de superexploração dos migrantes e dos refugiados, não só na Europa, mas em diversas regiões mundo, aonde os países ditos ricos, se protegem dos pobres e migrantes, praticando ainda mais exclusão.  Nunca se ergueram tantos muros de exclusão, em tantos países, como agora!
Como veem os debates foram muito interessantes.  E devem seguir, por muito tempo ainda, graças a abertura e generosidade do Papa Francisco.  Todos os documentos na íntegra e os discursos do Papa  vocês poderão encontrar na página http://movimientospopulares.org/
De nossa parte, da delegação brasileira,  levamos uma faixa de FORA TEMER, em plena praça da Basílica de São Pedro, denunciando o golpe por aqui e  saímos convencidos de que além de São Francisco de Assis, agora temos mais um Francisco, revolucionário na igreja.


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Discurso do Papa Francisco no III Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma, de 2 a 5/11/2016. “Terra, casa e trabalho para todos!” (Papa Francisco).

Discurso do Papa Francisco no III Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma, de 2 a 5/11/2016.
“Terra, casa e trabalho para todos!” (Papa Francisco).
Vaticano, Roma, Itália, 05/11/2016


O Terceiro Encontro Mundial dos Movimentos Populares aconteceu de 2 a 5 de novembro de 2016, na cidade de Roma, na Itália. O Papa Francisco participou da conclusão do encontro, sábado à tarde, acontecimento que reuniu cerca de 3.000 pessoas, na Sala Paulo VI. Antes da chegada do Papa, os presentes viveram um momento de entretenimento, intercalado com canções e testemunhos. À sua chegada, o Papa foi recebido pelo cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, que lhe dirigiu uma breve saudação. Seguiu-se um vídeo que apresentou uma síntese dos trabalhos realizados ao longo do III Encontro e a leitura do documento das conclusões programáticas dos movimentos populares. O III Encontro Mundial dos Movimentos Populares terminou com um discurso do Papa, a seguir. 

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO NO 3º ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES: terra, casa e trabalho para todos!

Sábado, 5 de novembro de 2016

"Irmãs e irmãs, boa tarde!
Neste nosso terceiro encontro expressamos a mesma sede, a sede de justiça, o mesmo grito: terra, casa e trabalho para todos. Agradeço os/as delegados/as que vieram das periferias urbanas, rurais e industriais dos cinco continentes, mais de 60 países, que vieram para discutir mais uma vez sobre como defender estes direitos que nos convocam. Obrigado aos Bispos que vieram para vos acompanhar. Obrigado aos milhares de italianos e europeus que se uniram hoje ao final deste encontro. Obrigado aos observadores e aos jovens comprometidos na vida pública que vieram com humildade escutar e aprender. Quanta esperança tenho nos jovens! Agradeço também ao Senhor Cardeal Turkson, pelo trabalho que fez no Dicastério; e gostaria também de recordar a contribuição do ex-Presidente José Mujica, que está presente.
 No último encontro, na Bolívia, com maioria de latino-americanos, falamos da necessidade de uma mudança para que a vida seja digna, uma mudança de estruturas; além disto, de como vocês, os movimentos populares, são semeadores desta mudança, promotores de um processo em que convergem milhares de pequenas e grandes ações concatenadas em modo criativo, como em uma poesia; por isto quis vos chamar “poetas sociais”; e temos também elencado algumas tarefas imprescindíveis para caminhar em direção a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença: 1. Colocar a economia à serviço dos povos; 2. Construir a paz e a justiça; 3. Defender a Mãe Terra.
Aquele dia, com a voz de uma “papeleira” e de um agricultor, foram leitos, na conclusão, os dez pontos de Santa Cruz de la Sierra, onde a palavra ‘mudança’ era repleta de grande conteúdo, era ligada às coisas fundamentais que vocês reivindicam: trabalho digno para aqueles que são excluídos do mercado de trabalho; terra para os agricultores e as populações indígenas; moradia para as famílias sem-teto; integração humana para os bairros populares; eliminação da discriminação, da violência contra as mulheres e das novas formas de escravidão; o fim de todas as guerras, do crime organizado e da repressão; liberdade de expressão e de comunicação democrática; ciência e tecnologia a serviço dos povos. Ouvimos também como vocês se comprometeram em abraçar um projeto de vida que rejeite o consumismo e recupere a solidariedade, o amor entre nós e o respeito pela natureza como valores essenciais. É a felicidade de “viver bem” aquilo que vocês reclamam, a “vida boa”, e não aquele ideal egoísta que enganosamente inverte as palavras e propõe a “bela vida”.
Nós que hoje estamos aqui, de origens, crenças e ideias diferentes, poderíamos não estar de acordo com tudo, seguramente pensamos diversamente sobre muitas coisas, porém certamente estamos de acordo sobre estes pontos.
Soube também de encontros e laboratórios realizados em diversos países, onde se multiplicaram os debates à luz da realidade de cada comunidade. Isto é muito importante porque as soluções reais para as problemáticas atuais não sairão de uma, três ou mil conferências: devem ser fruto de um discernimento coletivo que amadureça nos territórios junto com os irmãos, um discernimento que se torne ação transformadora “segundo os lugares, os tempos e as pessoas”, como dizia Santo Inácio. Caso contrário, corremos o risco das abstrações, de “certos nominalismos declaracionistas que são belas frases, mas que não conseguem sustentar a vida de nossas comunidades” (Carta ao Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, 19 de março de 2016). São slogans. O colonialismo ideológico globalizante procura impor receitas supraculturais que não respeitam a identidade dos povos. Vocês seguem por um caminho que é, ao mesmo tempo, local e universal. Um caminho que me recorda como Jesus pediu para organizar a multidão em grupos de cinquenta para distribuir o pão (cf. Homilia na Solenidade de Corpus Christi, Buenos Aires, 12 de junho de 2004).
Há pouco pudemos ver o vídeo que vocês apresentaram como conclusão deste terceiro encontro. Vimos os vossos rostos nas discussões sobre como enfrentar “a desigualdade que gera violência”. Tantas propostas, tanta criatividade, tanta esperança na vossa voz que talvez teria mais motivos para lamentar-se, permanecer paralisada nos conflitos, cair na tentação do negativo. Mesmo assim vocês olham em frente, pensam, discutem, propõe e agem. Congratulo-me convosco, vos acompanho, vos peço para continuar a abrir caminhos e a lutar. Isto me dá força, nos dá força. Acredito que este nosso diálogo, que se soma aos esforços de tantos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça em todo o mundo, está lançando raízes. Eu queria tocar em alguns temas mais específicos, que são os que recebi de vocês, que me fizeram refletir e os devolvo neste momento.

  1. O terror e os muros.
Todavia, esta germinação, que é lenta, que tem os seus tempos como todas as gestações, é ameaçada pela velocidade de um mecanismo destrutivo que age em sentido contrário. Existem forças poderosas que podem neutralizar este processo de amadurecimento de uma mudança que seja capaz de deslocar o primado do dinheiro e colocar novamente no centro o ser humano, ao homem, a mulher. Aquele “fio invisível” do qual havíamos falado na Bolívia, aquela estrutura injusta que liga todas as exclusões que vocês sofrem, pode consolidar-se e transformar-se em um chicote, um chicote existencial que, no Antigo Testamento, torna escravos, rouba a liberdade, fere sem misericórdia alguns e ameaça constantemente os outros, para abater todos como gado até onde quer o dinheiro divinizado. Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência econômica, social, cultural e militar que gera sempre mais violência em uma espiral descendente que parece não acabar nunca. Quanta dor, quanto medo!
Existe – disse recentemente – existe um terrorismo de base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade. Deste terrorismo de base se alimentam os terroristas derivados como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religiosos. Nenhum povo, nenhuma religião é terrorista. É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas de todas as partes. Mas o terrorismo inicia quando “é expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, e colocado ali o dinheiro (Coletiva de imprensa no vôo de retorno da Viagem Apostólica à Polônia, 31 de julho de 2016). Tal sistema é terrorista.
Há quase cem anos, Pio XI previa o firmar-se de uma ditadura econômica global que chamou “imperialismo internacional do dinheiro” (Carta Encíclica Quadrasegimo anno, 15 de maio de 1931, 109). Estou falando do ano de 1931!. A sala na qual agora nos encontramos se chama “Paulo VI”, e foi Paulo VI que denunciou há quase cinquenta anos, a “nova forma abusiva de domínio econômico no plano social, cultural e também político” (Carta Encíclica Octogesima adveniens, 14 de maio 1971, 44). São palavras duras mas justas de meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem, há milênios, aquilo que tanto escandaliza que repete o Papa neste tempo, em que tudo isto atinge expressões inéditas. Toda a doutrina Igreja e o magistério de meus predecessores se rebela contra o ídolo do dinheiro que reina ao invés de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.
Nenhuma tirania se sustenta sem explorar os nossos medos. Isso é chave. Disto o fato de que toda a tirania seja terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas periferias é com massacres, saques, opressão e injustiça, explode nos centros com diversas formas de violência, até mesmo com atentados odiosos e covardes, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que fecham alguns e exilam outros. Cidadãos murados, aterrorizados, de um lado; excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados de outro. É esta a vida que Deus nosso Pai quer para os seus filhos?
O medo é alimentado, manipulado... Porque o medo, além de ser um bom negócio para os mercadores das armas e da morte, nos enfraquece, nos desestabiliza, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia diante do sofrimento dos outros e no final nos torna cruéis. Quando ouvimos que se festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se difunde a xenofobia, quando constatamos que ganham terreno as propostas intolerantes; por trás desta crueldade que parece massificar-se existe o frio sopro do medo. Peço-vos para rezarem por todos aqueles que têm medo, rezemos para que Deus dê a eles coragem e que neste ano da misericórdia possa amolecer os nossos corações. A misericórdia não é fácil, não é fácil... exige coragem. Por isto Jesus nos diz: ‘Não tenhais medo” (Mateus 14,27), porque a misericórdia é o melhor antídoto contra o medo. É muito melhor do que os antidepressivos e dos ansiolíticos. Muito mais eficaz do que os muros, das grades, dos alarmes e das armas. E é grátis: é um dom de Deus.
Queridos irmãos e irmãs, todos os muros caem. Todos. Não deixemo-nos enganar. Como vocês disseram: “Continuamos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitem abater os muros da exclusão e da exploração”. (Documento conclusivo do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 11 de julho de 2015, Santa cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor.

  1. O amor e as pontes
Um dia como este, um sábado, Jesus fez duas coisas que, nos diz o Evangelho, apressaram o complô para matá-lo. Passava com os seus discípulos por um campo de sementes. Os discípulos tinham fome e comeram as espigas. Nada se diz sobre o “dono” daquele campo... subjacente é a destinação universal dos bens. O que é certo é que, diante da fome, Jesus deu prioridade à dignidade dos filhos de Deus antes que a uma interpretação formalística, obsequiosa e interessada da norma. Quando os doutores da lei lamentaram com indignação hipócrita, Jesus recordou a eles que Deus quer o amor e não sacrifícios, e explicou que o sábado é feito para o homem e não o homem para o sábado (cf. Mateus 2,27). Enfrentou o pensamento hipócrita e presunçoso com a inteligência humilde do coração (cf. Homilia, I Congresso de Evangelização da Cultura, Buenos Aires, 3 de novembro de 2006), que dá sempre a prioridade ao homem e não aceita que determinadas lógicas impeçam a sua liberdade de viver, amar e servir o próximo.
E depois, neste mesmo dia, Jesus fez algo de “pior”, algo que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o estavam observando porque procuravam uma desculpa para capturá-lo. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, este sinal tão forte do trabalhar, do trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e com isso lhe restituiu a dignidade. Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas privadas da dignidade do trabalho! Porque os hipócritas, para defender sistemas injustos, se opõem a que sejam curados. Às vezes penso que quando vocês, os pobres organizados, inventam os vossos trabalhos, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade de consumo, enfrentando a inclemência do tempo para vender em uma praça, reivindicando um pedaço de terra para cultivar para alimentar quem tem fome, quando vocês fazem isto estão imitando Jesus, porque buscam curar, mesmo que somente um pouquinho, mesmo se precariamente, esta atrofia do sistema socioeconômico reinante, que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês às vezes sejam vigiados ou perseguidos, nem me surpreende que aos soberbos não interessa aquilo que vocês dizem.
Jesus, que naquele sábado arriscou a vida, porque depois que curou aquela mão, fariseus e herodianos (cf Mc 3,6), dois partidos opostos entre eles, que temiam o povo e também o império, fizeram os seus cálculos e armaram um complô para matá-lo. Sei que muitos de vocês arriscam a vida. Sei – o quero recordar, a quero recordar - que alguns não estão aqui hoje porque arriscaram a vida... Mas não existe amor maior que dar a vida. Isto nos ensina Jesus.
Os 3 T, o vosso grito que faço meu, tem algo daquela inteligência humilde mas ao mesmo tempo forte e curador. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um projeto que visa o desenvolvimento humano integral. Alguns sabem que o nosso amigo Cardeal Turkson preside o Dicastério que leva este nome: Desenvolvimento Humano integral. O contrário do desenvolvimento, se poderia dizer, é a atrofia, a paralisia. Devemos ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas “próteses” cosméticas que não são verdadeiro desenvolvimento: crescimento econômico, progressos tecnológicos, maior “eficiência” para produzir coisas que se compram, são usadas e jogadas fora, nos envolvendo a todos em uma vertiginosa dinâmica do descarte... Mas não consente o desenvolvimento do ser humano na sua integralidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se reduz ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, usufruindo fraternalmente a maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual temos necessidade: humano, integral, respeitoso pela criação, desta casa comum.

  1. A Bancarrota e o resgate
Queridos irmãos, quero compartilhar com vocês algumas reflexões sobre outros dois temas que, junto aos “3-T” e à ecologia integral, estiveram ao centro de vossos debates dos últimos dias e foram focalizados neste período histórico. Sei que vocês dedicaram um dia ao drama dos migrantes, dos refugiados e dos deslocados. O que fazer diante desta tragédia? No Dicastério cujo responsável é o Cardeal Turkson existe um setor que se ocupa destas situações. Decidi que, ao menos por um certo tempo, este setor vai ficar submetido diretamente ao Pontífice, porque esta é uma situação infame, que posso somente descrever com uma palavra que me veio em mente espontaneamente em Lampedusa: vergonha. Lá, como em Lesbos, pude ouvir de perto o sofrimento de tantas famílias expulsas de sua terra por motivos econômicos ou violências de todos os tipos, multidões exiladas – disse isto diante das autoridades de todo o mundo – por causa de um sistema socioeconômico injusto e de guerras que não buscaram, que não criaram aqueles que hoje sofrem o doloroso desenraizamento da sua pátria, mas antes muitos daqueles que se recusam em recebê-los. Faço minhas as palavras de meu irmão o Arcebispo Hieronymos da Grécia: “Quem vê os olhos das crianças que encontramos nos campos de refugiados é capaz de reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a “bancarrota” da humanidade”. (Discurso no Campo de Refugiados de Moria, em Lesbos, 16 de abril de 2016). O que acontece no mundo de hoje que, quando ocorre a bancarrota de um banco, imediatamente aparecem somas escandalosas para salvá-lo, mas quando acontece esta bancarrota da humanidade não existe sequer uma milésima parte para salvar estes irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo transformou-se em um cemitério e não somente o Mediterrâneo... muitos cemitérios próximos aos muros, muros manchados de sangue inocente. Durante os dias deste encontro, o mostravam no vídeo. Quantos morreram no mediterrâneo?
O medo endurece o coração e se transforma em crueldade cega que se recusa em ver o sangue, a dor, o rosto do outro. O disse o meu irmão o Patriarca Bartolomeu: “Quem tem medo de vocês não vos olhou nos olhos. Quem tem medo de vocês não viu os vossos rostos. Quem tem medo de vocês não vê os vossos filhos. Esquece que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e transcende a divisão. Esquece que a migração não é um problema do Oriente Médio e da África do norte, da Europa e da Grécia. É um problema do mundo”. (Discurso no campo de Refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).
É realmente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a fugir da própria pátria. Mas o mal é duplo quando, diante daquelas terríveis circunstâncias, o migrante se vê lançados nas garras dos traficantes de pessoas para atravessar as fronteiras, e é triplo se chegam à terra em que se pensava encontrar um futuro melhor e são desprezados, explorados e até mesmo escravizados. Isto se pode ver em qualquer canto de centenas de cidades. Ou simplesmente não o deixa entrar. Peço a vocês para fazerem todo o possível e não esquecerem nunca que também Jesus, Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados. Peço-vos para exercerem aquela solidariedade tão especial que existe entre aqueles que sofreram. Vocês sabem recuperar fábricas das falências, reciclar aquilo que outros jogam fora, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir moradias, integrar bairros segregados e reclamar sem se deter como a viúva do Evangelho que pede justiça insistentemente (cf. Lc 18,1-8). Talvez com o vosso exemplo e a vossa insistência, alguns Estados e Organizações internacionais abrirão os olhos e adotarão as medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos aqueles que, por um motivo ou por outro, buscam refúgio longe de casa. E também para enfrentar as causas profundas pelas quais milhares de homens, mulheres e crianças são expulsos a cada dia de sua terra natal. Dar exemplo e reclamar é um modo de fazer política, e isto me leva ao segundo tema que vocês debateram em vosso encontro: a relação entre povo e democracia. Uma relação que deveria ser natural e fluída, mas que corre o perigo de ofuscar-se até se tornar irreconhecível. A lacuna entre os povos e as nossas atuais formas de democracia se alarga sempre mais como consequência do enorme poder dos grupos econômicos e midiáticos que parecem dominá-las. Os movimentos populares, o sei, não são partidos políticos e deixem que eu vos diga que, em grande parte, aqui está a vossa riqueza, porque vocês expressam uma forma diversa, dinâmica, e vital de participação social na vida pública. Mas não tenham medo de entrar nas grandes discussões, na Política com maiúscula, e cito de novo Paulo VI: “A política é uma maneira exigente – mas não é a única – de viver o compromisso cristão a serviço dos outros”. (Carta Ap. Octosegima adveniens, 14 de maio de 1971, 46). Ou esta frase que repito tantas vezes, que sempre me confundo, não sei se é de Paulo VI ou de Pio XII: “A política é uma das formas mais elevadas da caridade, do amor”. Gostaria de sublinhar dois riscos que giram ao redor da relação entre os movimentos populares e política: o risco de deixar-se “formatar” (– no sentido de limitar os movimentos. O Papa usou a palavra “encorsetar”), e o risco de deixar-se corromper.
Primeiro, não se deixar “formatar” porque alguns dizem: a cooperativa, o refeitório, o horto agroecológico, as microempresas, o projeto dos planos assistenciais... até aqui tudo bem. Enquanto vocês se mantiverem limitados às “políticas sociais”, enquanto vocês não colocarem em discussão a política econômica ou a política com a maiúscula, vocês são tolerados. A ideia das políticas sociais concebidas como uma política em direção aos pobres, mas nunca “com” os pobres, nunca “dos” pobres e tanto menos inserida em um projeto que reúna os povos, me parece às vezes uma espécie de mascarado por conter os descartes do sistema. Quando vocês, do vosso arraigamento ao território, da vossa realidade cotidiana, do bairro, do local, da organização de trabalho comunitário, das relações de pessoa a pessoa, ousem colocar em discussão as “macro-relações”, quando gritam, quando indicarem ao poder um planejamento mais integral, então não se tolera vocês mais tanto. Não se tolera tanto, porque estão saindo do “formato”, estão se colocando no terreno das grandes decisões que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas. Assim a democracia se atrofia, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai desencarnando-se porque deixa fora o povo na sua luta cotidiana pela dignidade, na construção de seu destino.
Vocês, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, são chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão passando por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação da limitação que vos reduz a atores secundários, ou pior, a meros administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisias, desorientação e propostas destrutivas, a participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoístico e uma segurança ilusória. Sabemos que “enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e definitivamente, nenhum problema. A iniquidade é a raiz dos males sociais”. (Exort. Apost. Evangelii gaudium, 202). Por isto, o disse e o repito, “o futuro da humanidade não está somente nas mãos dos grandes líderes, das grandes potências e das elites. Está sobretudo nas mãos dos povos; na sua capacidade de organizar-se e também nas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este processo de mudanças”. (Discurso ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Também a Igreja pode e deve, sem pretender ter o monopólio da verdade, pronunciar-se e agir especialmente diante das “situações em que se tocam as chagas e os sofrimentos dramáticos, e nos quais estão envolvidos os valores, a ética, as ciências sociais e a fé” (Pronunciamento no encontro de Juízes e Magistrados contra o tráfico de pessoas e o crime organizado, Vaticano, 3 de junho 2016). Este era o primeiro risco: o risco da limitação e o convite de entrarem na grande política.
O segundo risco, dizia para vocês, é deixar-se corromper. Como a política não é uma questão dos “políticos”, a corrupção não é um vício exclusivo da política. Existe corrupção na política, existe corrupção nas empresas, existe corrupção nos meios de comunicação, existe corrupção nas Igrejas e existe corrupção também nas organizações sociais e nos movimentos populares. É justo dizer que existe uma corrupção radicada em alguns âmbitos da vida econômica, em particular na atividade financeira, e que é menos notícia do que a corrupção diretamente e ligada ao âmbito político e social. É justo dizer que muito vezes se utilizam os casos de corrupção com más intenções. Mas é também justo esclarecer que aqueles que escolheram uma vida de serviço, têm uma obrigação ulterior que se soma à honestidade com que qualquer pessoa deve agir na vida. A medida é muito alta: é necessário viver a vocação de servir com um forte sentido de austeridade e a humildade. Isto vale para os políticos, mas vale também para os dirigentes sociais e para nós pastores. Disse “austeridade”. Gostaria de esclarecer a que me refiro com a palavra austeridade. Pode ser uma palavra equivocada. Austeridade moral, austeridade no modo de viver, austeridade em como levo em frente a minha vida, minha família. Austeridade moral e humana. Porque no campo mais científico, científico-econômico se quiserem, ou das ciências do mercado, austeridade é sinônimo de ajuste. E não é a isto que me refiro. Não estou falando disso.
A qualquer pessoa que sejam muito apegada às coisas materiais ou ao espelho, a quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as casas suntuosas, as roupas refinadas, o carro de luxo, aconselharia de entender o que está acontecendo em seu coração e de rezar a Deus para libertá-lo destes apegos. Mas, parafraseando o ex-Presidente latino-americano que se encontra aqui, aquele que está afeiçoado a todas estas coisas, por favor, que não entre na política, que não entre em uma organização social ou em um movimento popular, porque causaria muito dano a si mesmo e ao próximo e mancharia a nobre causa que assumiu. Tampouco que entre no seminário.
Diante da tentação da corrupção, não existe melhor remédio do que a austeridade, esta austeridade moral e pessoal. E praticar a austeridade é, também, pregar com o exemplo. Peço-vos de não subestimarem o valor do exemplo, porque tem mais força do que mil palavras, de mil panfletos, de mil “curtidas”, de mil retweets, de mil vídeos no youtube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é o melhor modo para promover o bem comum e o projeto-ponte dos “3-T”. Peço a vocês, dirigentes, para não cansarem-se de praticar esta austeridade moral, pessoal e peço a todos para exigir dos dirigentes esta austeridade, que – de resto – os fará muito felizes.
Queridas irmãs e irmãos, a corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumenta o descrédito coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que sustenta este sistema iníquo.
Gostaria, para concluir, pedir a vocês para continuar a combater o medo com uma vida de serviço, solidariedade e humildade em favor dos povos e especialmente daqueles que sofrem. Vocês poderiam errar muitas vezes, todos erramos, mas se perseveramos neste caminho, cedo ou tarde, veremos os frutos. E insisto: contra o terror, o melhor remédio é o amor. O amor cura tudo. Alguns sabem que depois do Sínodo sobre a Família escrevi Amoris laetitia, um documento sobre o amor em cada família, mas também naquela outra família que é o bairro, a comunidade, o povo, a humanidade. Alguém de vocês me pediu para distribuir um fascículo que contém um fragmento do capítulo quatro deste documento. Penso que entreguem a vocês na saída. E portanto com a minha bênção. Lá encontram-se alguns “conselhos úteis” para praticar o mais importante dos mandamentos de Jesus. Na Amoris laetitia, cito um falecido líder afro-americano, Martin Luther King, que sabia sempre escolher o amor fraterno até mesmo em meio às piores perseguições e humilhações. Quero recordá-lo com vocês: “Quando te elevas ao nível do amor, da sua grande beleza e poder, a única coisa que busca derrotar são os sistemas malignos. As pessoas que estão presas por aquele sistema, as ame, porém procure derrotar aquele sistema (...) Ódio por ódio intensifica somente a existência do ódio e do mal no universo. Se eu te firo e tu me fere, e te retribui o golpe e tu me retribuiu o golpe, e assim por diante, é evidente que se continua até o infinito. Simplesmente não acaba nunca. Uma das partes deve ter um pouco de bom senso, e aquela é a pessoa forte. A pessoa forte é a pessoa que é capaz de quebrar a cadeia de ódio, a cadeia do mal”. (n. 118; Sermão na Igreja Batista de Dexter Avenue, Montgomery, Alabama, 17 de novembro de 1957).
Agradeço-vos novamente pela vossa presença. Agradeço-vos pelo vosso trabalho. Desejo pedir a Deus nosso Pai que vos acompanhe e vos abençoe, que vos cumule de seu amor e vos defenda no caminho, dando-vos em abundância a força que nos mantém em pé e nos dá a coragem para romper a cadeia do ódio: a força é a esperança. Peço-vos, por favor, de rezarem por mim, e aqueles que não podem rezar, saibam, pensem bem de mim e me enviem uma boa onda. Obrigado”.
Tradução livre do Programa Brasileiro (From Vatican Radio).