segunda-feira, 8 de junho de 2015

Ocupação Paulo Freire está em terras griladas no Barreiro em Belo Horizonte? Por frei Gilvander Luís Moreira

Ocupação Paulo Freire está em terras griladas no Barreiro em Belo Horizonte?
Gilvander Luís Moreira[1]

“O direito à cidade e a moradia é o fundamento de uma reforma urbana pautada pelos princípios da democracia participativa. É uma tarefa cada vez mais urgente.” (SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça; Ed. Cortez; 2007)

Na região do Barreiro, em Belo Horizonte, além de muitas ocupações “espontâneas”, existem seis ocupações-comunidades urbanas com cerca de 2 mil famílias. Exceto a Ocupação Nelson Mandela, todas estão sob a mira de decisões judiciais de reintegração de posse a empresas e empresários e conseqüentemente à violação do direito das 2 mil famílias que lá estão resistindo e lutando pelo sagrado direito à moradia própria e digna. São elas:
a) Comunidade Corumbiara, há 21 anos, com centenas de casas, já é uma comunidade consolidada;
b) Comunidade Camilo Torres I e II, com 142 casas, com dezenas de casas com mais de uma família, há sete anos e já com 142 casas de alvenaria, com ruas abertas, pracinha, Escola de Alfabetização;
c) Comunidade Irmã Dorothy I e II, com cerca de 300 famílias, há cinco anos, já com quase 270 moradias de alvenaria;
d) Comunidade Eliana Silva, do MLB[2], com 300 famílias, há três anos, já com cerca de 300 casas de alvenaria, plano urbanístico implementado, creche, saneamento ecológico pelo sistema bason;
e) Comunidade Nelson Mandela, com 1,5 ano de história, com mais de 450 famílias já com umas 400 casas de alvenaria; Inusitadamente sobre a Ocupação Nelson Mandela não há processo judicial exigindo reintegração de posse. Reflexo da grande gama de ilegalidade que permeia os terrenos da região.
f)) Comunidade Paulo Freire, do MLB, a mais nova, nascida no final de maio de 2015, ainda debaixo de barracos de lona preta, com cerca de 300 famílias. Comunidade nova, mas com uma grande organização: Comissões de segurança, de cozinha comunitária, de creche coletiva, de coordenação etc.
Todas as casas de alvenaria estão construídas ou em construção. Há várias casas com duas famílias, reflexo do imenso déficit/injustiça habitacional em Belo Horizonte. Os terrenos ocupados estavam abandonados. A necessidade impeliu o povo empobrecido a se unir, se organizar e a lutar para se libertar da pesadíssima cruz do aluguel e da humilhação que é sobreviver de favor nas costas de parentes.
Os juízes das varas cíveis normalmente, salvo raríssimas exceções, concedem liminares de reintegração de posse observando apenas documentos formais e desconsiderando a origem da propriedade, se o requerente tinha anteriormente ou não a posse (fato), a função social da propriedade e os direitos humanos fundamentais das pessoas envolvidas no conflito social. Tratam os juízes as ocupações como se fossem invasões e pensam que com polícia e repressão se resolve problema social. Assim se posicionando, perpetuam as desigualdades sociais, tentam dar capa de legalidade a propriedades que desrespeitam os principais constitucionais. Felizmente, a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e o Ministério Público de Minas entraram com várias Ações Civis Públicas (ACPs) em defesa das famílias das Ocupações Camilo Torres, Irmã Dorothy e Eliana Silva, comunidades ameaçadas de despejo por ordens judiciais de varas cíveis. Vejamos algumas informações que constam nessas ACPs.
Na esteira do “milagre econômico”, no final da década de 60 e início da década de 70 do século passado, fora instituída, em Minas Gerais, em 25/06/1971, por meio da Lei Estadual 5.721/71, a Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais – CDI/MG -, empresa pública com função precípua de gerir e fomentar a implementação de áreas industriais no território mineiro.
Na década de 1.980, foi criado o Distrito Industrial Sócio-Integrado do Jatobá, no Bairro Jatobá, na região do Barreiro, em Belo Horizonte, parra destinar mais de 160 hectares de terra (1.661.224,00 m²) para a instalação de dezenas de empresas na área. A área fazia parte de uma gleba, ainda maior, a “Fazenda do Barreiro” que pertencia, até então, ao Estado de Minas Gerais, o qual a adquiriu no ano de 1.896, visando integrá-la ao território da nova Capital Belo Horizonte, inaugurada em 1.897. Depois de incorporada ao patrimônio público estadual, esta antiga estância rural passou a se chamar Colônia Vargem Grande, sendo, tempos mais tarde, destinada pelo Poder Público, em grande parte, para instalação de equipamentos públicos, o que praticamente não se viabilizou.[3]
Em 1.992 o Estado de Minas Gerais transferiu a área para a CDI/MG, atualmente incorporada, desde 2003, pela Companhia de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais – CODEMIG. Mas desde os idos de 1.980, o que se viu foi uma sucessão de alienações bastante suspeitas de terrenos públicos estaduais em favor de particulares, em sua maioria, sem procedimento licitatório, avaliação prévia e a preços irrisórios. Em verdade, após a transmissão de referidos lotes para particulares, com o objetivo FORMAL de instalação de indústrias, tais propriedades foram renegociadas perante outras pessoas jurídicas e privadas - geralmente instituições financeiras e empresários dos mais diversos ramos -, quase sempre por quantias muito abaixo do preço de mercado.
Além disso, em geral, toda esta cadeia de alienações imobiliárias tinha como interveniente a CDI/MG (ou sua sucessora, a CODEMIG), de modo que os adquirentes assumiam, no bojo de contratos administrativos, a obrigação de efetivamente instalar os empreendimentos fabris na região, seguindo determinadas condições, com prazos definidos de, em regra, 10, 18, 24, 36 ou 42 meses. Contudo, tais cláusulas contratuais acabaram, no mais das vezes, não cumpridas, confirmando, assim, a condição de grande parte da área como um enorme terreno abandonado e sem qualquer destinação social e/ou econômica há várias décadas. Palco de especulação!
Assim grande parte dos terrenos acabou servindo unicamente como depósito de lixo, desova de cadáveres, depósito e descarte de veículos desmanchados (ferro-velho), prática de tráfico e consumo de entorpecentes, contribuindo sensivelmente para o aumento da criminalidade, além da degradação ambiental, na região, com total conivência dos Poderes Públicos envolvidos (incluídos aí a Prefeitura de Belo Horizonte, o Governo de Minas Gerais e a CODEMIG), que nada fizeram ao longo desses tantos anos para evitar a especulação e o uso inadequado do solo urbano e os respectivos danos à sociedade.
 Pouquíssimas indústrias estabeleceram-se na região, de modo que o parcelamento da gleba em lotes pelo Governo de Minas Gerais, e sua alienação para particulares pela Administração Pública Estadual Indireta, até o momento, serviu, praticamente, apenas para o agravamento da especulação imobiliária na capital. Em suma, mesmo após ultrapassadas mais de 03 décadas desde a criação do referido Distrito Industrial Sócio Integrado do Jatobá, grande parte da região continua em situação de completo abandono e descaso, sendo certo que o empreendimento não “saiu do papel” e, pior do que isto, está permeado de ilegalidades gravíssimas, como pode-se citar a ausência de licitação, a venda por preço irrisório e o descumprimento de cláusulas contratuais que exigiam a implantação de empreendimentos industriais para gerar emprego na região. O que prosperou foi a especulação e o aumento do déficit e injustiça habitacional.
O terreno onde está há sete anos a Comunidade Camilo Torres, em 1992, foi transferido pela CDI/MG para a Borvutex Comércio e Indústria Ltda, com suposta área de 12.230m². Cerca de 9.450 m² de área privada e, aproximadamente, 2.770 m² de área pertencente ao Município de Belo Horizonte. A Borvultex assumiu o encargo de ali se construir um empreendimento industrial no prazo de 24 meses, mas a área restou em completo abandono. Em 2004, sem contar com a anuência da CODEMIG, a Borvultex promete vender a Victor Pneus o referido imóvel, que por força do contrato, receberia a posse do imóvel. O valor dessa transação foi de apenas 15 mil reais, quando somente o IPTU da área indicava o valor venal de 250 mil reais. O terreno continuou no mais completo abandono, sem que a CODEMIG fizesse algo para reverter ao patrimônio público o imóvel, considerando o não cumprimento do encargo. O juiz da 10ª Vara Cível de Belo Horizonte não concedeu a liminar de reintegração de posse, mas em Agravo de Instrumento, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais autorizou fosse feita a reintegração.
O terreno onde há cinco anos se encontra a Comunidade Irmã Dorothy pertencia à CODEMIG. Em 2001, a CDI/MG celebrou contrato com a empresa PARR Participação Ltda, pelo qual o imóvel seria transferido para referida empresa por 121 mil reais, sob a condição de, no prazo de 20 meses ser realizado no local um empreendimento industrial, gerando empregos na região. Essa cláusula contratual não foi cumprida. Exatos cinco meses após a celebração do referido contrato a empresa PARR Participações Ltda, contando com a anuência da CDI/MG, transferiu o imóvel para o Banco Rural S/A por 600 mil reais - mais do que 500% acima do valor pelo qual o Estado, por meio da CDI, repassou o imóvel ao particular -, como dação em pagamento. Embora assentado em explícita ilegalidade, o Banco Rural S/A celebrou, em 2007, Contrato Particular de Compra e Venda com a empresa Tramm Locação de Equipamentos Ltda e outras pessoas físicas pelo valor de R$ 180.000,00. Três anos se passaram sem que sequer a Escritura de Compra e Venda fosse providenciada. O imóvel, por mais de dez anos, restou em completo abandono. O local servia unicamente para bota-fora de lixo. Eloquente é o fato de o Banco Rural ter recebido o imóvel pelo valor de 600 mil reais e o ter vendido por apenas 180 mil reais. Em fevereiro de 2010, a empresa Tramm e outras pessoas físicas, sem que proprietários fossem do imóvel, celebram Contrato de Promessa de Compra e Venda com ASACORP  Empreendimentos e Participações S/A pelo valor de R$ 580.000,00. Também esta nova empresa sequer fincou uma estaca no local.
O terreno onde está há quase três anos a Comunidade Eliana Silva está localizado em duas grandes glebas (lotes 29 e 30) na mesma região e apresenta as mesmas ilegalidades. O lote 30, uma gleba de 13.876,00 m2, em 16 de janeiro de 2002, foi alienado pela CODEMIG, mediante contrato de compra e venda, para a Construtora Ourívio S.A., sem licitação, avaliação e pelo preço irrisório de R$ 111.008,00. As irregularidades são tão absurdas que no mesmo dia 16, tal terreno fora dado em pagamento pela Construtora Ourívio S.A ao Banco Rural S.A. (banco conhecido pelo Mensalão), pelo valor de R$ 1.216.586,42, ou seja, montante quase 11 vezes maior. Sete anos depois, no dia 28 de maio de 2009, o Banco Rural S.A., estranhamente, depois de tanto tempo e consequente valorização do terreno - o que vem acontecendo em todo país nos últimos anos -, vendeu o terreno para um empresário chamado Newton Alves Pedrosa, dono do Supermercado das Portas e Janelas, pelo preço de R$ 166.512,00, quantia mais de 07 vezes inferior ao valor de sua aquisição. Desse modo, o Banco Rural teve então um prejuízo de no mínimo R$ 1.050.074,42? Qualquer um que analise minimamente essa situação verá que existem muita coisa estranha e que merece devida apuração.
Por isso, atualmente, suspeitas de malversação do dinheiro público e de inadequado parcelamento urbanístico na região vêm sendo alvo de apuração em inúmeras ações coletivas ajuizadas pela Defensoria Pública de Minas Gerais e pelo Ministério Público de Minas, com pedido de, dentre outros, anulação das alienações com “reversão” dos imóveis ao patrimônio público estadual, em razão das diversas irregularidades evidenciadas e do completo abandono e desleixo que se encontravam tais terrenos, o que motivou a ocupação deles por milhares de famílias que ora estão ameaçadas pelas ordens judiciais de reintegração de posse.
Reportagem do Jornal Hoje em Dia, de 23 de maio de 2.011, intitulada “MP vai à Justiça contra a CODEMIG para cobrar 1 milhão”, afirmou que “O Ministério Público Estadual (MP), por meio da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, ajuizou uma ação civil pública, no valor de R$ 1 milhão, para obrigar a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (CODEMIG) a devolver ao erário, com correção, o dinheiro que deixou de receber com a venda irregular de um terreno. A área, que tem quase 10 mil metros quadrados e foi vendida sem licitação, seria destinada à construção de um distrito industrial, mas é ocupada hoje por 144 famílias, que formaram a comunidade Camilo Torres, agora ameaçada de despejo. [...] O imóvel tem 9.454,52 metros quadrados e fica no Bairro Jatobá, na região do Barreiro. O contrato de compra e venda obrigava a empresa a construir no local um distrito industrial. Na época da operação, o Governo informou que o empreendimento traria benefícios financeiros para a comunidade. O prazo para que o distrito fosse construído era de 24 meses. Em 2004, o Governo criou a CODEMIG, que incorporou a CDI e ingressou com uma ação judicial pedindo a devolução do imóvel, com o argumento de que a atividade prevista em contrato não fora cumprida.”.
Enfim, as ocupações organizadas estão libertando milhares de famílias da cruz do aluguel, da injustiça habitacional. Manter terrenos nas mãos de especuladores é inadmissível. O mínimo que exigimos é que se espere o julgamento de todas as Ações Civis Públicas que arguem uma série de ilegalidades e imoralidades que envolvem os terrenos onde estão as seis comunidades mencionadas acima. Enfim, lutamos pela consolidação das seis comunidades – Corumbiara, Camilo Torres, Irmã Dorothy, Eliana Silva, Nelson Mandela e Paulo Freire – e pelo resgate das terras do Vale do Jatobá que foram ilegalmente e imoralmente repassadas para iniciativa privadas. Que essas terras sejam destinadas para um grande programa habitacional para garantir o direito constitucional e fundamental de moradia para as famílias que lá se encontram e que deram o melhor destino àquelas terras. Isso é o justo e por isso lutamos. O poder judiciário precisa deferir os pedidos das ACPs e declarar a nulidade dos contratos que alienaram os terrenos públicos do Governo de Minas e/ou o Governador Fernando Pimentel pode declarar a nulidade dos contratos e destinar os terrenos para habitação popular.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 08 de junho de 2015.



[1] Frei e padre da Ordem dos Carmelitas; graduado e licenciado em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo Instituto Teológico São Paulo, em São Paulo, SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI) e do Serviço de animação Bíblica (SAB); Conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos (CONEDH); e-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - Facebook: Gilvander Moreira
[2] Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas.
[3] Maiores informações estão disponíveis em: Barreiro Informações Básicas: Territoriais, Sociais e Econômicas, Políticas e Culturais, Prefeitura de Belo Horizonte, 2006.

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