quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS COM A PRISÃO DE QUILOMBOLAS DO BREJO DOS CRIOULOS, no Norte de Minas Gerais. BH, 26/02/2014.

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS COM A PRISÃO DE QUILOMBOLAS DO BREJO DOS CRIOULOS, no Norte de Minas Gerais.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 26/02/2014.

Por Dr. Elcio Pacheco, advogado popular da CPT e da RENAP.

Deparamos, até hoje, com reiterados casos de violência no território do Quilombo Brejo dos Crioulos, cujas forças antagônicas às desapropriações do território de 17.302,00 ha (dezessete mil trezentos e dois hectares),   descrevem  um modus operandi muito claro,  no que tange à formação de milícias armadas e financiadas pelos latifundiários descontentes com a titulação  das áreas inseridas no perímetro territorial do quilombo, bem como a total inércia da justiça local em punir os fazendeiros e seus jagunços.
No início de 2011, após o atentado contra uma das lideranças dos quilombolas, o Edmilson de Lima Dutra (Coquinho), que quase faleceu em decorrência das facadas que levou, desferidas pelo jagunço do fazendeiro Raul Ardito Lerário, de nome, Roberto Carlos Pereira, a Delegada de Policia, Dra Andrea Pochmann, investigou e indiciou a milícia de latifundiários, pedindo, inclusive, a busca e apreensão de armas e a prisão preventiva de todos os pistoleiros e mandantes. Restou frustrada as diligências da Polícia Civil (com colaboração da equipe da Policia Federal de Montes Claros), uma vez que o MPe local  e o Juiz da Comarca de S. J. da Ponte/MG, denegaram o pedido de prisão da jagunçada.
No dia 15/09/2012, ainda de manhã,  após a reocupação da fazenda de Raul, pistoleiros armados, foram presos em flagrante por porte  de armas pela PMMG (fato consta do processo penal) , frustrando um ataque planejado contra os quilombolas, a fim de vingarem a morte do pistoleiro Roberto Carlos, integrante do mesmo  bando da milícia latifundiária.
Com a morte do pistoleiro, Roberto Carlos,  na madrugada de 15/09/2012, prontamente, o MPe e o Juiz local, em uma confusa denuncia sem provas, imediatamente, acusaram e prenderam 5 de 09 quilombolas  acusados (que por  coincidência são lideranças locais). 
A risível denúncia de assalto  seguido de morte, descrita pela promotora da época, ilustrando tal  latrocínio, conjecturava que os quilombolas invadiram a residência do pistoleiro para roubar latas de cerveja, o que foi desmentido pelas provas do autos e posteriormente na instrução processual foi desclassificada tal acusação.
Chamou a atenção o processo penal guiado pela promotoria, pela esdrúxula narrativa assentada em provas frágeis e a aceitação de argumentos insólitos pelo judiciário, mantendo as prisão de quatro, entre os nove quilombolas acusados, até hoje, completando 500 dias de cárcere sem provas idôneas.
Denota-se, que no caso concreto examinado, ressurgem interpretações contrárias aos direitos humanos, banidas do nosso sistema com a retomada da democracia em 1985, consolidada com a constituição de 1988.
Exemplifiquemos, com a violação do princípio da presunção de inocência, que é um instituto previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988. Refere-se a uma garantia processual atribuída ao acusado pela prática de uma infração penal, oferecendo-lhe a prerrogativa de não ser considerado culpado por um ato delituoso até que a sentença penal condenatória transite em julgado.
Merece uma anotação de destaque, de que tal princípio, da presunção de inocência, advém da luta da humanidade contra o arbítrio, pois, que, está consagrado,  nas diversas cartas de direitos humanos internacionais, que o Estado brasileiro consignou perante a comunidade internacional.
Ainda mais, porque, no Brasil, o capitulo Constitucional, das garantias fundamentais da pessoa humana, em última ratio, dos direitos humanos, foi fundada, como cláusula pétrea, não podendo, ser objeto de interpretações contrárias, mudanças ou até mesmo suprimidas do nosso ordenamento.
Em outras palavras, os 4 quilombolas presos, não receberam do poder judiciário, uma das funções de poder, do Estado nacional, o beneplácito dessas prerrogativas de inocência presumida, pois, que, cumprem uma "pena",  já a quinhentos dias, sem o trânsito de sentença penal condenatória.
Noutro sentido, para uma prisão cautelar, cujos pressupostos são taxativos e excepcionalíssimos, devem seguir com limites estreitos deferidos pela lei penal Brasileira, insertos no código de ritos penais.
Assim sendo, segundo o art. 312 do Código de Processo Penal brasileiro, a prisão preventiva, necessita de critérios bem delineados, para só então, ser decretada. São esses critérios e não outros: 
1) garantia da ordem pública,  
2) garantia da ordem econômica,  
3) por conveniência da instrução criminal,   
4) assegurar a aplicação da lei penal,
Necessita ainda, a excepcional medida segregatória, dos seguintes requisitos complementares:
a) quando houver; prova da existência do crime e
b) indício suficiente de autoria.
Sem a presença de apenas um desses pressupostos, por causa e consequência do princípio da assimetria entre as normas, qualquer prisão decretada, tornar-se-á, arbitrária e ilegal.
No caso em apreço, dos 4 quilombolas presos, Edmilson de Lima Dutra, Édio José Francisco, Joaquim Fernandez da Cruz e Sérgio Cardozo de Jesus, todos são primários, sem antecedentes criminais, são  trabalhadores rurais, moram no quilombo desde que nasceram, desenvolvem trabalho lícito, são pais de família e possuem casa própria. Além desses requisitos que os favorecem, não há provas que eles podem ou perturbam a ordem pública, se forem libertos. Quanto a ameaça, à garantia da ordem econômica, não há qualquer indício de crime contra a economia popular que pesa sobre eles. Quanto a conveniência da instrução criminal ou penal, esse critério, já perdeu o objeto, na medida em que a referida instrução penal, já se findou. Quanto ao requisito de prova de existência do crime, tais fatos, até então, não foram exaustivamente investigados, pois, as testemunhas de cada acusado, provaram, que eles, nem sequer, no local e data dos fatos, se encontravam no meio da multidão de onde foi desferido um único disparo que alvejou a vítima dos autos. Sendo assim, cai por terra o último critério da prisão preventiva que contra eles pesam, ou seja, indício suficiente de autoria do crime. Neste aspecto, o MP, não conseguiu estabelecer a causa e a concausa do crime, pois, na denúncia oferecida de forma genérica, não descreveu a conduta que cada preso praticou, na medida de sua participação no suposto crime. 
Desse modo, estamos diante de violações das garantias Constitucionais, do devido processo legal, da garantia da mais ampla defesa e da presunção de inocência.

Dr. Elcio Pacheco, advogado da RENAP e CPT.

Nenhum comentário:

Postar um comentário