domingo, 1 de setembro de 2013

Relato de Bruno Cardoso, conselheiro dos Direitos Humanos do CONEDH-MG, preso simplesmente por defender os direitos humanos. 28/08/2013

Relato de Bruno Cardoso, conselheiro dos Direitos Humanos do CONEDH-MG, preso simplesmente por defender os direitos humanos.


Encaminho para conhecimento o relato de uma triste situação ocorrida nesse sábado, dia 24/08/2013, em Belo Horizonte, MG. A versão da PM de Minas Gerais ficou registrado no REDS 2013-017430118-001. BO 2013-1327736.

Por Bruno Cardoso. 

Eu estava passando uma agradável tarde de sábado, depois de um encontro de jovens onde teve um bom almoço e vimos o filme "Most - The Bridge", (que entre outras coisas diz da fragilidade de vida humana, que num estalar de dedos se encontra em risco). Peguei uma carona e desci na Cristiano Machado pra pegar meu ônibus na altura do Minas Shopping. Estranhei o grande número de adolescentes e do policiamento reforçado, parecia que algum cantor pop tinha passado por ali. Cheguei no ponto que estava cheio, vi um grupo de uns 10 adolescentes (cerca de 14, 15 anos) entrarem num ônibus pela porta traseira. Esses deram azar, pegaram uma trocadora que bem brava mandou eles saírem, e eles, envergonhados  desceram do ônibus. Aí chegaram uns policiais militares, vi um sargento perguntando pra um cabo, pareciam agitados, - “trouxe o gás de pimenta? Hoje vamos ter trabalho.” E o outro respondeu mostrando na cintura, - “sim”. E logo passa uns oito adolescentes, cerca de 14- 15 anos, com estilo pop de periferia , a polícia os aborda, - “mãos na cabeça!”. Eles prontamente colocam as mãos na cabeça e abrem as pernas, já costumados com o procedimento. O cabo não satisfeito com o tanto que um abriu a perna, dá um chute contra a perna desse menino. E eu ali parado vendo tudo disse: - Moço não faz isso, não precisa disso! Aí veio o Sargento em minha direção e me perguntou, - “quem é você? Ponha a mão na cabeça!”. Eu que tinha falado como qualquer cidadão indignado faria, me apresentei mostrando minha carteira funcional, - sou Bruno, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, tenho legitimidade pra acompanhar batidas policiais. Ele disse,- “vai com o cabo pra viatura”. Eu disse, - não vou, tenho autoridade pra acompanhar batidas policais. Ele respondeu, - “então você é autoridade, vai pra viatura ou levo você a força”. Respondi: - não vou, vou ficar aqui acompanhando a batida”. Ele pegou forte no braço esquerdo, um outro policial no braço direito, me levaram até a viatura e me colocaram na parte de trás, no camburão onde se encontravam outros três adolescentes. No caminho eles diziam, - “vamos ver então se tem autoridade mesmo, foi fazer graça, se ferrou”. Diante dessa terrível situação peguei o celular, pensei em ligar pro comandante do GATE, ou pra algum deputado da Comissão de DH da ALMG, ou membro do Ministério Público, que fazem parte do mesmo Conselho, mas quando  peguei o celular, um de fora viu e disse “tá ligando!”, abriram rapidamente a porta da viatura, me tomaram a força o celular e me algemaram. Situação em que arranharam o meu pescoço. Vi que, propositadamente, apertaram mais forte a algema do braço esquerdo, que ficou dolorida. Colocaram-me novamente na viatura e liberaram os três adolescentes que ali estavam. Entra e sai um, depois outro policial na parte de trás falando de modo provocativo e ameaçador. Sozinho ali fiquei tentando chamar alguém que passava perto, mas ninguém me atendia. Viram minha intenção, mas  antes que conseguissem entraram no carro e arrancaram a viatura. Pensei por todo ocorrido, vão me fazer um mal pior. Vi ali o quanto fica fragilizado e vulnerável alguém que está sob o poder de outros. Pensei, “quantos devem sofrer por esses caminhos!” Lembrei do Amarildo desaparecido nas mãos da polícia do Rio.  Seguiram pela Cristiano Machado, depois entraram numa área mais favelizada, “vão me entregar pra alguém, será que já estou pronto?” No meio do caminho outra batida policial, o sargento para, desce e acompanha. Ficou alguns minutos que pareceu uma eternidade. Nesse tempo fui tentado dialogar com os outros que de fato estava fazendo minha função, um respondeu, - “função, controlar o trabalho de polícia?” Continuei, “o Conselho é feito por lei Estadual”, “nem o Governador pode fazer isso...” “Peça por favor ao sargento pra vir folgar a algema que está apertada.” Depois o sargento voltou pra viatura, seguiu adiante olhou um lugar e retornou. Voltando pra Cristiano Machado, avistaram um motoqueiro, outra abordagem policial, mais alguns minutos, perguntei, “Pra onde estamos indo?” Pra um hospital, ver esse seu ferimento aí”. Esperei que fosse verdade, pedi novamente ao soldado, por favor peça ao sargento pra vir folgar a algema. “Não estou com a chave”. Mas, foi e passou o recado. O sargento depois da abordagem, abriu a porta da viatura, folgou um pouco a algema, o soldado me revistou, pegou minha identidade e a carteira funcional. Fecharam a porta, voltaram pra viatura e continuaram o caminho. Algumas pessoas no trânsito me viam na viatura, não sentia vergonha mas a vontade de que algum conhecido me identificasse ali. Nesse tempo o soldado ligou pro 190 e passou meus dados. Não tinha muita certeza se de fato ligava, mas comecei a me sentir mais aliviado. Continuando o caminho me levaram pra UPA Nordeste. Ao descer pedi que retirassem as algemas mas não o fizeram. Entrei lá como tantos outros na mesma situação já devem ter por ali passado. Se dirigindo ao funcionário da UPA o soldado perguntou “Tem médico cirurgião?” , “cirurgião?” respondi assustado. “Sim”, com ironia, “pra mudança de sexo”, respondeu o soldado. Fui encaminhado, o funcionário da primeira abordagem me perguntou, “o que houve?” Disse, sou dos Direitos Humanos, fui acompanhar uma abordagem policial, houve um desentendimento e”, “vai contar essa história pro delegado, me cortou o soldado”, “ e pronto, machuquei o pescoço”. Fui encaminhado pra uma médica, repeti a mesma história pra que fosse por mais pessoas identificado, ela viu o machucado, passou um remédio e disse que não era nada grave. Quase perguntei, “você faria uma ligação pra mim?” Mas não tive coragem de pedir o que extrapolava o ofício dela. Voltando pra viatura só aí me retiraram as algemas, fiquei um pouco mais confortável. Pedi, me dê meu telefone, me deixe falar com um advogado, responderam, “não, você liga na delegacia”. No caminho pararam pra comprar um refrigerante, mais uns minutos de espera. No rádio começava um jogo de futebol tocando antes o hino nacional que me pareceu tedioso. Voltando o sargento a viatura prosseguiu até a delegacia da Andradas. Começaram a fazer o B.O. que nunca terminava, ficaram até as 20:00 e nada. Vi uma senhora indo embora, pensei poderia ser a delegada. “Sra. por favor, a sra é a delegada?”, “sim, me respondeu.” Perguntei, a Sra. poderia me autorizar a dar um telefonema pra um advogado? “Não posso, só se tivesse sido entregue a mim, você ainda está sob guarda deles.” E foi embora. Voltei pro sargento e pedi novamente, “me deixe falar com um advogado”. Depois que eu terminar aqui você liga. Peguei o telefone em cima da mesa, a bateria quase acabando. Demorou mais um pouco, “pode, liga.” Liguei pra uma advogada competente e de confiança do Coletivo Margarida Alves. Me atendeu, me orientou e encaminhou um outro advogado do mesmo Coletivo pra delegacia onde seria levado. Mandei uma mensagem pra presidente do Conselho de Direitos Humanos dizendo do ocorrido, e pra uma pessoa querida que me esperava. Acaba a bateria. Mais um passeio na viatura até a outra delegacia onde cheguei mais tranqüilo, logo chegou o advogado popular pra me acompanhar. E aliviado lembrei da poesia e da inconstância dos momentos: “De repente da calma fez-se o vento E das mãos espalmadas fez-se o espanto. Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.” Prestei o depoimento pra escrivã, pedi a guia de exame de corpo delito. Sai da delegacia  por volta da 23:30 com  certeza de que a Defesa dos Direitos Humanos deve ser cada vez mais forte. Continuemos!

Bruno Cardoso, 27/08/2013.

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